“O diabo está nos detalhes”

Neste passado fim-de-semana tivemos um reencontro entre os Lisboa Devils e Salgueiros Renegades, um jogo que ficou decidido por um ponto e onde podemos realmente dizer que o “diabo está nos detalhes”, uma expressão que de forma genérica nos diz que por vezes as situações parecem simples mas os detalhes contam e, neste caso, contaram muito.

O jogo desde o apito inicial mostrou que seria um jogo de poucos pontos, os dois ataque entraram a tentar ímpor o seu jogo, mas sempre sem grande consequência e onde as defesas acabavam por se superiorizar.

O resultado disso seriam punts para as duas equipas, um turnover defensivo para os Devils num passe em profundidade de Francisco Pereira sem grande direção e eventualmente com o melhor drive da primeira parte a pertencer aos Devils que conseguiam colocar-se em posição de fieldgoal mas o Kicker Guilherme Solipa a não conseguir converter.

Ofensivamente os Renegades foram um deserto de ideias nesta primeira parte e seria ainda a fechar a primeira parte que teríamos novo bom drive ofensivo dos Devils mas onde João Lamas, atleta defensivo dos Renegades, por duas vezes “caçou” Bernardo Solipa e fez dois sacks em momentos determinantes para a sua equipa.

A consequência seria um nulo ao intervalo e ajustamentos profundos a serem necessários para a segunda parte, para ambas as equipas.

Seria na abertura da segunda parte que teríamos então os primeiros pontos, Bernardo Solipa apesar de alguns erros sucessivos da sua equipa (atrasos na chamada de jogada, falsas partidas, agarrões) lá conseguiu dar sequência a um drive de 10+ jogadas, com um terceiro down e longo bem convertido para já em posição de redzone dar a bola a Jesuíno Furtado que faz aquilo que ele sabe tão bem fazer, evitar placagens e marcar um touchdown. O ponto extra de Guilherme Solipa não seria bem convertido deixando aqui mais um detalhe dos diabos para o final do jogo.

Na segunda parte os Renegades continuavam sem conseguir mover a bola, tudo era “demasiado improvisado”, Francisco Pereira bem tentava e fazia sprints de sideline a sideline, mas nada funcionava de forma consistente e o resultado seria novo punt.

No drive seguinte dos Devils tivemos novamente o ataque a mover a bola, a defesa dos Renegades já mostrava algum cansaço mas mesmo assim segura o ímpeto e obriga os Devils a novo pontapé aos postes, um fieldgoal sem sucesso uma vez mais – novo importante detalhe.

Estávamos já no último quarto quando temos o drive que tanta conversa deu no jogo, ecoavam berros da bancada, sidelines em implosão e muita conversa agora nas redes sociais.

Vamos começar pelo resultado final do drive, o touchdown de corrida de Vasco “Faz tudo” Pinheiro e ponto extra bem convertido que daria a vantagem no jogo aos Renegades. Agora, vamos separar a análise deste drive nos três intervenientes no relvado, Renegades, Devils e equipa de arbitragem.

  • Os Renegades marcaram e foram os grandes vencedores do drive, eventualmente do jogo, sendo que a grande nota que me ficou é a incapacidade de moverem a bola 2 ou 3 jardas de forma consistente no jogo de corrida. O ataque é completamente baunilha, super previsível e incapaz de ser físico. Tiveram sensivelmente 6-8 jogadas dentro das 5 a 10 jardas finais do campo e só com muito, mas mesmo muito, esforço lá conseguiram marcar. Obviamente não culpam ninguém, mas caso não tivessem marcado só se podiam culpar a eles próprios porque oportunidades não faltaram e, nesse campo, a “culpa” não foi só deles.
  • Os Devils, pois os Devils, os Devils apenas se podem culpar a eles próprios. Aguentaram o jogo todo o ímpeto ofensivo dos Renegades para no momento mais determinante do jogo cederem sob a pressão que chegou de várias frentes e de várias formas. O touchdown sofrido e eventual derrota não invalida o bom trabalho que fizeram no jogo todo, mas só se podem culpar a eles próprios e existe alguma paz nisso se decidirem aceitar.
  • A arbitragem, por norma evito falar deles, porque sei que fazem e querem sempre fazer o seu melhor e, genuinamente, neste drive acho que estiveram e fizeram o seu melhor. Aspecto crítico, assinalaram três faltas pessoais a jogadores dos Devils, duas delas a David Martins que culminou na sua expulsão do jogo, e todas elas no meu entender bem assinaladas e apenas na sequência de erros infantis ou de respostas a provocações, algo que jogadores tão titulados e experientes já deviam “saber mais”.

 

De forma mais ampla preocupou-me mais ver outras certas situações no jogo onde os árbitros não sabiam algumas regras, nomeadamente um apito inadvertido em kickoff depois do drive acima mencionado onde a jogada devia ter sido repetida, ou mesmo a dúvida na aplicação (ou não) de uma falsa partida onde acabou por ser o treinador dos Renegades, Marcus Allex, a “ajudar” a equipa de arbitragem a perceber que não é uma falta que se possa “optar por declinar”.

No entanto quero aqui reforçar duas coisas, a primeira é que a arbitragem é de longe das tarefas mais complicadas ligadas a qualquer jogo, seja de que desporto for. A segunda é que acho que esta equipa de arbitragem fez o seu melhor, cometeu os seus erros, mas sinto que manteve o mesmo critério ao longo da partida. Os Renegades não ganharam por causa deles, os Devils não perderam por causa deles, repito que o “diabo está nos detalhes”.

Voltando ao jogo e para terminar, depois desse drive a equipa da casa ainda tentou responder, mas sem sucesso, nesta altura as emoções eram difíceis de gerir e Bernardo Solipa num 4th down determinante lança a bola para o meio do terreno e o passe é incompleto sabendo eu que quando ele for analisar o vídeo lhe vai custar muito ver Bruno Cardoso completamente sozinho numa rota “post corner” para o lado exterior do relvado. Novamente, o “diabo está nos detalhes”…

Em suma é um jogo complicadíssimo de avaliar, um jogo onde nenhuma das equipas jogou bom futebol americano na perspetiva ofensiva, ambas as defesas estiveram melhor, mas o jogo fica pautado por mim pela inconsistência de ambas as equipas e onde a sorte (e a sorte dá muito trabalho!) do jogo sorriu aos Salgueiros Renegades.

Fica o meu desejo de um reencontro entre as duas equipas, quem sabe nos playoffs, para vermos a melhor versão de ambas as equipas porque ambas quero eu acreditar sabem que estiveram longe das suas melhores versões.

Destaque pela positiva – Salgueiros Renegades

A defesa dos Renegades tem de ser claramente a unidade a destacar, inclusive as várias soluções e alternativas que têm à disposição. Individualmente gostaria de destacar o rookie Jelson Kiako que teve grande parte do jogo contra Guilherme Solipa e esteve muito sólido, com boas coberturas e algumas boas placagens no jogo. Outro destaque é a boa quantidade de membros de equipa técnica e trabalho na sideline que os Renegades têm e que trabalham em prol da equipa.

Aspectos a melhorar – Salgueiros Renegades

O ataque foi simplesmente mau de se ver jogar e não pode ser, têm de exigir mais deles próprios e têm de mudar algo. Existe zero criatividade nas jogadas ofensivas, o playcalling é amplamente previsível e sem grande sequência de pensamento. De todos os jogadores no ataque o que menos culpa tem do que descrevo é Francisco Pereira que apenas o protagonista de uma conjunto de falta de ideias maiores.

Destaque pela positiva – Lisboa Devils

Na primeira parte o ataque deu-me a sensação que estava sem grande condicionamento físico, corriam a bola duas vezes e pareciam que iam a rastejar para o huddle. Mas entraram na segunda parte mais decididos, promoveram alguns ajustamentos na forma como corriam a bola e atacaram o miolo do terreno com inclusão de mais jogadores conseguindo dar uma boa resposta e marcar pontos.

Aspectos a melhorar – Lisboa Devils

Precisam de mais liderança e alinhamento dentro da equipa. O Bernardo Solipa carrega em si as três funções mais desafiantes numa equipa de futebol americano (Treinador Principal, Coordenador Ofensivo e Quarterback) e é preciso ajuda e que outros elementos da equipa consigam estar presentes quando ele não consegue estar.

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