Final de temporada com Paulo Terrinca

Os Cascais Crusaders entraram para a temporada com altas expectativas de dar continuidade ao trabalho feito nos últimos quatro anos onde não perderam nenhum jogo e somaram dois títulos nacionais. No entanto, acabam por ficar fora dos playoffs e podem ver essa dinastia adiada.

Em conversa com Paulo Terrinca tivemos oportunidade de abordar alguns dos principais temas da temporada bem como prever o que se segue para 2025.

No início da temporada a expectativa era que os Cascais Crusaders dessem seguimento ao trabalho feito ao longo dos últimos anos, continuassem a ganhar jogos, fossem aos playoffs e lutassem pelo título … o que falhou?

Metade dessas expectativas foram cumpridas: demos seguimento ao trabalho feito ao longo dos últimos anos e continuámos a ganhar jogos. Não foram é todos, como aconteceu durante 4 anos e duas épocas completas. Que diga-se é muito complicado de fazer em qualquer desporto, a qualquer nível e isto é um elogio a nós. 

Agora, claramente que falhámos esta época e eu sou o principal responsável por isso, porque não estive ao nível que deveria ter estado de forma a dar condições aos meus jogadores para conseguirem ultrapassar a tempestade de obstáculos com que se depararam ao longo de toda a época. Esta época foi uma aberração de situações pessoais graves, e não me refiro ao número incrível de lesões, a motivos profissionais etc mas sim a dramas pessoais que me atingiram a mim, a todo o meu staff, a uma quantidade enorme de jogadores, alguns deles em posições basilares da nossa equipa, ao longo de vários meses. A determinada altura, já nem pensávamos em lesões, apenas que estivesse tudo bem em casa dos nossos. Isto aleado a 4 lesões “season ending”, duas delas na pré época e as outras duas na segunda e terceira jornadas, mais o facto de termos starters impossibilitados por lesão em todos os jogos da época sem exceção, torna quase impossível chegar a um título nacional. Mas se havia grupo que mesmo assim conseguiria faze-lo, era este. E por isso considero que falhámos.

Os Crusaders eram naturalmente vistos como candidatos ao título, e éramos. Como ainda continuaremos a ser se conseguirmos manter o nível. A realidade é que muitas equipas este ano trabalharam bem e tiveram resultados positivos. Quantos campeões no passado tiveram 2 derrotas na fase regular? É sinal que mais equipas estão a subir o seu nível e isso é bom para todos.

Quais foram os aspectos diferentes de liderar os Cascais Crusaders que procuravam o seu primeiro título, para liderar os Cascais Crusaders que procuravam a sua dinastia?

Não há jogos iguais, muito menos épocas iguais. As equipas mudam sempre de ano para ano. E muito. Mais do que o exterior pensa ou vê. Não tivemos o mesmo roster do ano passado e o ano passado não tivemos o mesmo roster do primeiro título. São diferentes, aparentemente iguais para muitas pessoas, mas são sempre diferentes.

Nós tivemos vários jogadores a sair e poucos a entrar. Foi uma falha nossa que teremos que corrigir. Tivemos ainda alteração de Staff e Direção. No que diz respeito aos jogadores, passámos para uma equipa muito mais inexperiente e leve, o que nos levou a ter que mudar conceitos de jogo, pois o personell era diferente, e ai eu errei porque demorei tempo demais a perceber isso e a instalar novos conceitos. Logo aí é uma falha grave num campeonato de 6 jogos. Mas a identidade, visão profissionalismo de todos foram os mesmos. Mas as outras equipas também mudaram, para melhor claro. E ganharam-nos porque foram melhores nesses dias.

Achas justo dizer que a grande diferença dos Crusaders desta época para os Crusaders dos anos recentes foi uma defesa mais permeável e que não conseguiu ajudar a sua equipa a “segurar jogos”?

Não, não acho. A grande diferença deste ano foram os Crusaders todos. Tal como nas duas épocas anteriores foram todos que fizeram a diferença para ganhar a toda a gente. A defesa deveria ter sofrido menos, o ataque marcado mais, special teams menos erros e treinadores feito um melhor trabalho. E mesmo falando na defesa, as nossas derrotas foram sempre equilibradas, diferença nos pormenores. Tendo inclusivamente duas das nossas vitórias sido “seguradas” pela defesa na última drive do jogo. Por isso não vejo a relação.

Olhando em retrospectiva, os Crusaders perderam com os Lisboa Navigators e terminam a época com duas derrotas, Braga Warriors e Lisboa Devils, o que poderiam ter feito de diferente em cada uma esses jogos?

3 jogos em condições completamente diferentes e não comparáveis. Mas em todos eles não nos conseguimos adaptar ás condições que tínhamos nem ás condições que o adversário nos colocou por mérito deles. 3 grandes adversários que nos estudaram muito bem, principalmente os dois primeiros tenho a dizer, e que aproveitaram todas as nossa debilidades no dia de jogo, e isto na nossa modalidade é um grande elogio na minha opinião. Mas penso que é justo uma perspectiva geral e olhar para as nossas fichas de jogo, não só nesses 3 jogos, mas contra os Bulldogs por exemplo, em que tínhamos 25 jogadores disponíveis para um jogo em casa. Ou para o jogo no Porto contra os Renegades em que nunca desistimos apesar de termos mais uma vez perdido vários starters ao longo do jogo, adaptámo-nos em tempo real e usámos ferramentas diferentes do habitual, mas que trabalhámos e que conseguimos pôr em prática, mesmo não sendo conceitos tão usados por nós. 

No jogo decisivo, ao vencerem 14-0 ao intervalo os Lisboa Devils, o que achas que na tua análise falhou na segunda parte?

A abrir a segunda parte não finalizámos uma drive perfeita, 7 minutos ao longo do campo até ao 1st & goal e que penso que fecharia o jogo. Não o consegui fazer e foi fatal para a minha equipa infelizmente.

Os Devils agarraram os momentos do jogo a partir dai e acho que foi essa a diferença e onde foram melhores que nós. Depois na ultima drive ainda tivemos a bola para poder vencer o jogo e não conseguimos. Temos que melhorar nesse aspecto. Mas posso dizer que foi dos jogos em que mais vi ambas as equipas a ajustarem-se relativamente ao que o adversário mostrava em campo no momento. Isto demonstra grande evolução da modalidade e que infelizmente acho que mais gente deveria ver.

Foi uma derrota dura, mas vi um balneário completamente unido mesmo num ano tão mau. Não se vê isso em todo o lado porque não é fácil conquista-lo.

Olhando para o futuro, o que vão ser os próximos passos para os Cascais Crusaders?

Muitos deles serão os mesmos que demos nos últimos anos, porque acreditamos no nosso projecto, e mesmo neste ano de fracasso numa perspectiva macro, conseguimos ter resultados específicos muito interessantes e penso que vocês terão oportunidade de os ver num futuro próximo. Agora claro que há algumas coisas que terão que mudar pois foram a razão do nosso insucesso e que não queremos ver repetido.

Os Cascais Crusaders são o projeto mais antigo em atividade na modalidade, fazem parte da génesis do Futebol Americano em Portugal. Vamos fazer o que sempre fizemos: olhar para o que fizemos bem e mal, perceber os que estão disponíveis para trabalhar connosco na próxima época e trabalhar bem para vencer mais jogos e mais campeonatos.

Sei que a Direção do Clube está a trabalhar na próxima época já há alguns meses, que têm feito muito para que as nossas condições sejam melhores que as que temos, e considero que quem continuar no nosso projecto terá condições que me parece que outros clubes não têm, e por isso podem ser felizes nos Cascais Crusaders. O Clube está a crescer e certamente de uma forma ou de outra a equipa dará a volta. Tal como no passado muitas equipas nos olhavam como exemplo, vamos continuar a ter-nos como exemplo e trabalhar para termos novamente sucesso. Na realidade competitiva, só vence um e este ano não serão os Cascais Crusaders. No próximo ano quem quer que esteja nos Crusaders estará com o foco de vencer.

Algum pensamento final daquilo que foi a 14ª edição da LPFA?

Tenho dois pensamentos totalmente opostos.

O primeiro é relativo a alguns dirigentes da nossa modalidade que depois de terem estado 3 anos sem nada fazer enquanto o Sr. Rui Pedro Soares nada fez, continuaram sem nada fazer quando ele se retirou. Porque para muitos o que interessa é que se jogue. Quando deveriam pensar que a responsabilidade deles é trabalhar fora do jogo para o jogo. Tinham que fazer muito mais para retirar de lá aquela pessoa, e muito mais quando essa pessoa saiu. Ser dirigente é uma responsabilidade não é um favor que se faz. Quando as pessoas se deixarem de egos e de reuniões por whatsapp e começarem a trabalhar com paixao para a modalidade, dentro de salas de reunião, cara a cara para solucionar problemas e não para falar deles, esta modalidade em Portugal desenvolve-se, e muito. Quando os dirigentes começarem a fazer aquilo que muitas vezes eles próprios dizem aos jogadores dos seus clubes “faz o teu trabalho”, “dá tudo pela equipa”, “temos que fazer sacrifícios” e perceberem que a equipa deles é o Futebol Americano, a modalidade aí sim começa a crescer como deveria. 

E isto leva me ao outro pensamento oposto: o que foi esta época para os jogadores e treinadores.

Num ano sem liderança vinda de cima em termos de órgão máximo da modalidade, eles trabalharam o suficiente para termos um ano inteiro de jogos atrás de jogos a serem disputados até ao ultimo segundo, a equipas a transformarem se, a aumentarem o football IQ dos seus rosters e a ensinarem o jogo a jovens a ponto de os terem prontos para jogar no primeiro ano. Tivémos todas as equipas a passarem aos playoffs com o mesmo saldo “vitórias e derrotas”, a nunca desistirem, a nunca abandonarem independentemente se falavam bem ou mal deles. Costuma-se dizer que o exemplo vem de cima, mas actualmennte espero que o exemplo agora venha debaixo, para que na próxima época possa voltar a vir de cima.

Obrigado a todos os que trabalham para o FA português. Espero que todos continuem, e que possamos trabalhar mais em conjunto fora dos campos.

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